A origem da semana de trabalho de 40 horas

Este arti­go foi traduzi­do de um que foi pub­li­ca­do orig­i­nal­mente na pági­na Alter­Net.

[S]e tem a  sorte de ter um emprego ago­ra, provavel­mente estará a faz­er tudo para o man­ter. Se o patrão lhe pede para tra­bal­har 50 horas, tra­bal­hará 55. Se ele pede 60, perderá noites durante a sem­ana e Sába­dos, e tra­bal­hará 65. Muito provavel­mente estará a faz­er isto há meses, senão mes­mo anos, às cus­tas da sua vida famil­iar, a sua roti­na de exer­cí­cios físi­cos, a sua dieta, o seu nív­el de stress e a sua sanidade. Estará esgo­ta­do, cansa­do, dori­do e esque­ci­do pela sua esposa, fil­hos e cão. Mas con­tin­ua a esforçar-se, pois toda a gente sabe que é tra­bal­han­do horas a fio que se con­seue provar que é “apaixon­a­do”, “pro­du­ti­vo” e um “jogador de equipa” — o tipo de pes­soa que terá mel­hores hipóte­ses de sobre­viv­er à próx­i­ma ron­da de des­ped­i­men­tos. Isto é o que o tra­bal­ho parece ago­ra. Tem sido assim por tan­to tem­po que muitos tra­bal­hadores amer­i­canos não se apercebem que, na maior parte do sécu­lo XX, tem sido mais ou menos con­sen­su­al entre os patrões norte-amer­i­canos que tra­bal­har mais de 40 horas por sem­ana é estúpi­do, um des­perdí­cio, perigoso e caro — o mais óbvio sinal de uma gestão perigosa­mente incom­pe­tente para dis­pen­sar. É uma here­sia ago­ra (boa sorte para con­vencer o seu patrão do que vou ago­ra diz­er), mas cada hora que tra­bal­ha a mais além das 40 horas por sem­ana fá-lo‑á menos efi­ciente e pro­du­ti­vo no cur­to e lon­go pra­zo. Pode pare­cer estran­ho, mas é ver­dade: a coisa mais sim­ples e ráp­i­da de aumen­tar a pro­du­tivi­dade e os lucros da sua empre­sa — começan­do ago­ra mes­mo, hoje — é tirar toda a gente da mara­tona das 55 horas por sem­ana e voltar às 40. Sim, vai con­tra tudo o que os gestores mod­er­nos jul­gam que pen­sam sobre o tra­bal­ho. Por isso, pre­cisamos de perce­ber mel­hor. Como se chegou à sem­ana de 40 horas de tra­bal­ho em primeiro lugar? Como a perdemos? E quais são as razões prin­ci­pais para que seja retomada?

A origem da semana de trabalho de 40 horas

O essen­cial a saber sobre a sem­ana de tra­bal­ho de 40 horas, enquan­to que foi por pressão dos sindi­catos, os líderes de empre­sas aceitaram porque os seus próprios dados mostravam que esta for­ma era uma medi­da boa para o negó­cio. Os sindi­catos começaram a lutar pela sem­ana de 40 horas, tan­to no Reino Unido como nos Esta­dos Unidos da Améri­ca no iní­cio do sécu­lo XIX. No fim do sécu­lo, era a nor­ma num número cres­cente de indús­trias. E uma coisa estran­ha acon­te­ceu: vezes sem con­ta — em muitos sec­tores e em muitos país­es — os donos das empre­sas desco­bri­ram que quan­do ced­er­am às exigên­cias dos sindi­catos e cor­taram nas horas de tra­bal­ho, os seus negó­cios tornaram-se sig­ni­fica­ti­va­mente mais pro­du­tivos e lucra­tivos. Tom Walk­er do Work Less Insti­tute escreveu no seu arti­go Pacto para a pros­peri­dade (Pros­per­i­ty Covenant):

Que a pro­du­tivi­dade não sobe ou desce na pro­por­cional­i­dade direc­ta do número de horas de tra­bal­ho é uma lição que aparente­mente tem que se apren­di­da em cada ger­ação. Em 1848, o par­la­men­to Inglês aprovou a lei das 10 horas e a pro­du­tivi­dade por tra­bal­hador por dia aumen­tou. Na déca­da de 1890 os patrões fiz­er­am exper­iên­cias com dias de 8 horas e desco­bri­ram que a pro­du­tivi­dade aumen­tou nova­mente. Nas primeiras décadas do sécu­lo XX, Fred­er­ick W. Tay­lor, o pai da “gestão cien­tí­fi­ca” receitou tem­pos de tra­bal­ho reduzi­dos e con­seguiu grandes aumen­tos de pro­du­tivi­dade por trabalhador.

Em 1914, enco­ra­ja­do por dúzias de anos de pesquisas inter­nas, Hen­ry Ford tomou a medi­da famosa de aumen­tar para o dobro o salário dos seus tra­bal­hadores, e diminuir a duração dos turnos de 9 para 8 horas. A Asso­ci­ação Nacional de Indus­tri­ais da Man­u­fac­tura (Nation­al Asso­ci­a­tion of Man­u­fac­tur­ers) criticaram-no amarga­mente por isto — emb­o­ra muitos dos seus com­peti­dores tomaram a mes­ma medi­da nos anos seguintes depois se se aperce­berem do aumen­to do vol­ume de negó­cios de Ford após esta alter­ação. Em 1937, a sem­ana de 40 horas ficou con­sagra­da no New Deal, a respos­ta de Franklin Roo­sevelt à crise de 1929. Nes­ta altura, havia cin­co décadas de inves­ti­gação indus­tri­al que prova­va, sem som­bra de dúvi­da, que se quisesse man­ter os seus tra­bal­hadores esper­tos, saudáveis, pro­du­tivos, seguros e efi­cientes por um perío­do lon­go de tem­po, dev­e­ria man­tê-los em sem­anas de, no máx­i­mo, 40 horas e dias de 8 horas de tra­bal­ho. Evan Robin­son, um engen­heiro de soft­ware engi­neer com um grande inter­esse na pro­du­tivi­dade dos pro­gra­madores, resum­iu esta história num arti­go que escreveu para a Inter­na­tion­al Game Devel­op­ers’ Asso­ci­a­tion em 2005. O arti­go orig­i­nal con­tém uma série de lig­ações para estu­dos con­duzi­do por empre­sas, uni­ver­si­dades, asso­ci­ações da indús­tria e forças armadas que apoiam os líderes do iní­cio do sécu­lo XX no que respei­ta à sem­ana cur­ta. “Ao lon­go dos anos 30, 40 e 50, estes estu­dos foram aparente­mente con­duzi­dos às cen­te­nas” (“Through­out the ’30s, ’40s and ’50s, these stud­ies were appar­ent­ly con­duct­ed by the hun­dreds”), escreve Robin­son; “e na déca­da de 1960, os bene­fí­cios da sem­ana de 40 horas foram aceites quase sem reser­vas na Améri­ca cor­po­ra­ti­va. Em 1962, a Câmara do Comér­cio chegou mes­mo a pub­licar um pan­fle­to exal­tan­do os gan­hos de pro­du­tivi­dade resul­tantes da redução horária” (“and by the 1960s, the ben­e­fits of the 40-hour week were accept­ed almost beyond ques­tion in cor­po­rate Amer­i­ca. In 1962, the Cham­ber of Com­merce even pub­lished a pam­phlet extolling the pro­duc­tiv­i­ty gains of reduced hours”). O que estes estu­dos mostraram, vezes sem con­ta, era que os tra­bal­hadores fab­ris dis­põem de 8 horas na quais são mais fiáveis. Em média, não con­segue pro­duzir mais em 10 horas que em 8 horas. Igual­mente, a pro­dução total de uma sem­ana de tra­bal­ho será exac­ta­mente a mes­ma ao fim de 6 dias de tra­bal­ho que após ape­nas 5 dias. Por isso, o paga­men­to de horas extra­ordinárias (além das 40 horas sem­anais) não é basi­ca­mente mais que queimar lucros. Deix­em-nos ir para casa, des­cansar e voltar na Segun­da-feira. É mel­hor para toda a gente. À medi­da que o tem­po pas­sa­va e os sindi­catos enfa­ti­zavam os sub­sí­dios por defi­ciên­cia e segu­rança no tra­bal­ho, out­ro con­jun­to de pre­ocu­pações reforçavam a ideia da sem­ana cur­ta. Uma mon­tan­ha cres­cente de dados vin­ha mostran­do que aci­dentes cat­a­stró­fi­cos — os que causam defi­ciên­cia nos tra­bal­hadores, dan­i­fi­cam equipa­men­tos essen­ci­ais, param as lin­has de mon­tagem, provo­cam proces­sos judi­ci­ais às empre­sas e pre­ocu­pam os accionistas — acon­te­ceri­am mais provavel­mente quan­do os tra­bal­hadores tra­bal­havam demais e estavam cansa­dos. Isto selou o acor­do: para muitas empre­sas, os riscos humano, de cap­i­tal, legal e finan­ceiro por exced­er as 40 horas por sem­ana não valiam sim­ples­mente a pena serem toma­dos. Por alturas da Segun­da Guer­ra Mundi­al, o con­sen­so era claro e gen­er­al­iza­do: mes­mo que (e espe­cial­mente!) o tem­po de guer­ra o exigisse, tra­bal­har demais era con­trapro­du­cente e perigoso, o nen­hum local de tra­bal­ho com­pe­tente dev­e­ria sequer ten­tar obri­gar as pes­soas a tra­bal­har mais que esse limite.

A excepção das horas extraordinárias

Havia uma excepção a esta regra. Pesquisas con­duzi­das pelo Busi­ness Round­table nos anos 1980 demon­straram que se con­segue gan­hos no cur­to pra­zo, tra­bal­han­do 60 ou 70 horas por sem­ana, por perío­dos muito cur­tos — por exem­p­lo, fazen­do um esforço adi­cional por umas sem­anas para con­seguir cumprir pra­zos de pro­dução críti­cos. Con­tu­do, há um con­jun­to de ressal­vas bas­tante sérias lig­adas a isto que cos­tu­mavam ser bem con­heci­das, mas muitas foram esque­ci­das. Uma delas é que, aumen­tan­do o horário de uma equipa no escritório em 50% (de 40 para 60 horas) não resul­ta em 50% mais pro­du­tivi­dade (como Hen­ry Ford dev­e­ria ter dito). Muitos gestores actu­ais assumem que deve haver uma relação de um para um entre horas extra­ordinárias e pro­dução, mas estão quase sem­pre erra­dos acer­ca dis­to. De fac­to, o aumen­to de pro­du­tivi­dade está mais per­to de 20–30% no mes­mo 50% de aumen­to do tem­po de tra­bal­ho. Eis por quê: quan­do chega a oita­va hora diária, o perío­do de maior pro­du­tivi­dade de uma pes­soa já pas­sou (tipi­ca­mente entre a 2.ª e a 6.ª hora). À 9.ª hora, enquan­to a fadi­ga se insta­la, ape­nas con­seguirão tra­bal­har numa fracção da sua capaci­dade usu­al. E a cada hora extra além dis­so, a pro­du­tivi­dade con­tin­uará a diminuir, até às 10–12 horas, quan­do se atinge uma com­ple­ta exaustão. Out­ra ressal­va é que as horas extra­ordinárias são ape­nas efi­cazes por perío­dos muito cur­tos. Isto deve-se ao fac­to (como mostrou em 1909 Sid­ney Chap­man) a pro­du­tivi­dade diária começa a cair na segun­da sem­ana, e cai mais pro­nun­ci­ada­mente a cada sem­ana con­sec­u­ti­va, à medi­da que o cansaço aumen­ta. Se des­can­so ade­qua­do, recri­ação, nutrição e tem­pos livres só porque sim, as pes­soas abor­recem-se e ficam estúp­i­das. Não se con­seguem con­cen­trar. Pas­sam mais tem­po a respon­der a men­sagens de cor­reio elec­tróni­co e em con­ver­sas sem inter­esse que a tra­bal­har. Come­tem error que nun­ca come­te­ri­am se tivessem des­cansa­do; e cor­ri­gir ess­es erros demo­ra mais tem­po porque estão exaus­tos. Robin­son escreve que ele tem vis­to equipas de pro­gra­madores sobre­car­regadas descer a um nív­el de pro­gres­so neg­a­ti­vo, onde per­dem ter­reno sem­ana após sem­ana pois pas­sam a come­ter mais erros que aque­les que cor­rigem. O estu­do da Busi­ness Round­table desco­briu que, logo após oito sem­anas de 60 horas, a que­bra de pro­du­tivi­dade é tão mar­ca­da que a equipa típi­ca con­seguiria faz­er o mes­mo e mel­hor se se man­tivessem com sem­anas de 40 horas. E em sem­anas de 70 ou 80 horas a que­bra ocorre ain­da mais depres­sa, em ape­nas três sem­anas. E final­mente: estas mar­chas fúne­bres têm um impacto de lon­go ter­mo na pro­du­tivi­dade. Assim que a crise pas­sa e uma equipa pas­sa de uma sem­ana de 60 horas para 40, pode demor­ar várias sem­anas até que a exaustão desa­parece o sufi­ciente para que se volte à pro­du­tivi­dade nor­mal. Assim, por algum tem­po, con­seguir-se‑á menos de 40 horas dos tra­bal­hadores. Gestores sábios com­preen­derão que: a) evi­tam perío­dos de horas extra­ordinárias, pois estão bem avisa­dos dos sérios efeitos na pro­du­tivi­dade de lon­go pra­zo; b) man­têm ess­es perío­dos tão cur­tos quan­to pos­sív­el quan­do eles são necessários; e c) dão alguns dias de des­can­so às equipas — um a dois dias de fol­ga por cada sem­ana de tra­bal­ho extra­ordinário é a medi­da cer­ta — no fim de uma “cor­ri­da” difí­cil. Este tem­po de fol­ga per­mite recu­per­ar mais ráp­i­da e com­ple­ta­mente. É muito mais pro­du­ti­vo tê-los a fol­gar na sem­ana seguinte — e depois de vol­ta ao tra­bal­ho, des­cansa­dos e pron­tos a tra­bal­har — do que man­tê-los nos seus pos­tos de tra­bal­ho, mas estoira­dos demais para faz­er algo útil no mês seguinte. Assim, para resumir: acres­cen­tan­do mais horas ao dia de tra­bal­ho não tem uma cor­re­lação um para um com a pro­du­tivi­dade. O tra­bal­ho extra­ordinário não é sus­ten­táv­el, senão no cur­to espaço de tem­po. E muito tra­bal­ho extra­ordinário cria um nív­el de exaustão que se insta­la mais cedo, é bas­tante mais acen­tu­a­do, e requer muito mais para se cor­ri­gir, que muitas chefias pen­sam. As pesquisas provam que algo mais que umas sem­anas fazem mais mal que bem.

Entra o Trabalhador Qualificado

Depois da Segun­da Guer­ra Mundi­al, depois do Servicemen’s Read­just­ment Act (uma lei que con­cedeu bene­fí­cios var­ios, como emprés­ti­mos para com­pra de casa mais baratos, incen­tivos à qual­i­fi­cação, etc. a ex-mil­itares) ter per­mi­ti­do a muitos tra­bal­hadores ingres­sar em empre­gos de “colar­in­ho bran­co”, os empre­gadores assumi­ram que os lim­ites horários apli­ca­dos aos out­ros tra­bal­hadores não se apli­cavam aos primeiros. Toda a gente pen­sa­va que oito horas era o lim­ite para alguém que pas­sasse o dia a manuse­ar um marte­lo ou uma pá; mas estes tra­bal­hadores de “colar­in­ho bran­co” pas­savam o dia sen­ta­dos a uma secretária. Esta­mos-lhes a pagar mais, por isso, não dev­eríamos esper­ar mais deles? A respos­ta cur­ta é: não. De fac­to, pesquisas mostram que os tra­bal­hadores de “colar­in­ho bran­co” têm menos horas real­mente pro­du­ti­vas que os out­ros — em média, cer­ca de seis horas, em oposição às oito. Parece estran­ho, mas se é um tra­bal­hador qual­i­fi­ca­do, a ver­dade dis­to poderá pare­cer claro se pen­sar no seu dia típi­co de tra­bal­ho. Provavel­mente, o dia de tra­bal­ho terá cin­co ou seis horas de tra­bal­ho men­tal real­mente pro­du­ti­vo; e as out­ras três horas serão gas­tas em reuniões, respon­den­do a e‑mails, ou aten­den­do chamadas tele­fóni­cas. Poderá tra­bal­har mais horas, se o seu chefe pedir, mas após seis horas, tudo o que ele terá será uma pes­soa sen­ta­da numa cadeira. O seu cére­bro já saiu e foi para casa. A out­ra coisa a reter sobre tra­bal­hadores qual­i­fi­ca­dos é que eles são par­tic­u­lar­mente sen­síveis à mais peque­na per­da de sono. Estu­dos real­iza­dos por mil­itares Norte-amer­i­canos mostraram que perder ape­nas uma hora de sono por noite causa um nív­el de degradação cog­ni­ti­va equiv­a­lente a um nív­el de alcoolemia de 0,1g/l. Pior: a maio­r­ia das pes­soas neste esta­do, tipi­ca­mente, nem se apercebem quão debil­i­ta­dos se encon­tram. Ape­nas quan­do se olha para o nív­el dra­mati­ca­mente mais baixo do seu tra­bal­ho é que esta situ­ação se mostra. Robin­son escreve: “Se viessem tra­bal­har assim bêbe­dos, provavel­mente des­pe­di-los-íamos — seri­am con­sid­er­a­dos um man­i­festo risco para a nos­sa empre­sa, os nos­sos dados, o nos­so equipa­men­to, nós e eles próprios. Mas não pen­samos duas vezes acer­ca de man­ter a pri­vação do sono como condição para con­tin­uar empre­ga­do.” E o poten­cial para fal­has cat­a­stró­fi­cas pode ser tão alto para tan­to os tra­bal­hadores qual­i­fi­ca­dos como não qual­i­fi­ca­dos. Robin­son cita inves­ti­gações pós-inci­dente do der­rame do Exxon Valdez ou da explosão do Chal­lenger. Ambas as equipas de inves­ti­gadores desco­bri­ram que os decisores, cansa­dos e tra­bal­han­do demais, tiver­am um papel sig­ni­fica­ti­vo para as causas destes desas­tres. Exis­tem tam­bém bas­tantes estu­dos sobre erros fatais feitos por pes­soal médi­co exaus­to, bem como pesquisas das forças armadas norte-amer­i­canas sobre os efeitos cat­a­stró­fi­cos da fadi­ga na escol­ha de alvos pelos artil­heiros. (Robin­son acres­cen­ta: “Ain­da bem que os tra­bal­hadores qual­i­fi­ca­dos rara­mente se têm que pre­ocu­par com fogo amigo.”)

Paixão”, Des-sincalização, e o Fim da semana de 40 horas

Como é que este con­hec­i­men­to, que esta­va tão entran­hado em três ger­ações de gestores amer­i­canos que foi tido como cer­to, se perdeu nos tem­pos que cor­rem? Há provavel­mente várias respostas a esta per­gun­ta, mas exis­tem três fac­tores em par­tic­u­lar que sobres­saem. O primeiro é o aparec­i­men­to de Sil­i­con Val­ley como potên­cia económi­ca em fins dos anos de 1970. Des­de a Segun­da Guer­ra Mundi­al, esta região tem atraí­do um género úni­co de tra­bal­hador — cien­tis­tas e tra­bal­hadores tec­nológi­cos que trazem com eles uma paixão sin­gu­lar por inves­ti­gação e ino­vação. A Sín­drome de Asperg­er não foi iden­ti­fi­ca­da senão em 1994, mas nos anos de 1950, as indús­trias de defe­sa no vale cal­i­for­ni­ano de San­ta Clara atraíam já jovens bril­hantes que cor­re­spon­di­am ao per­fil: pes­soas de um só objec­ti­vo, social­mente deslo­ca­dos, emo­cional­mente desli­ga­dos e abençoa­d­os (ou amaldiçoa­d­os) com um inter­esse úni­co e obses­si­vo numa área muito par­tic­u­lar. Para estas pes­soas, o tra­bal­ho não era ape­nas tra­bal­ho; era a sua paixão, e eles ded­i­cavam cada hora a ela, muitas vezes excluin­do inter­acção social, exer­cí­cio, sono, refeições e, por vezes, cuida­do pes­soal. O estereótipo pop­u­lar do geek nasceu de algu­mas ver­dades sobre o tipo especí­fi­co de pes­soas que eram atraí­das por tec­nolo­gias ness­es anos ini­ci­ais. A cul­tura que cresceu em Sil­i­con Val­ley nas décadas seguintes reflec­tiu e val­ori­zou as par­tic­u­lar­i­dades do que os psicól­o­gos da Lock­heed inti­t­ulavam nos anos 50 de “a per­son­al­i­dade da ciên­cia e tec­nolo­gia”. As empre­sas alargaram os seus horários de tra­bal­ho, para que os pro­gra­madores que entravam ao meio dia e saíssem à meia noite pudessem ter o seu próprio horário. Os códi­gos de ves­tuário foram relax­ados; as excen­t­ri­ci­dades pes­soais foram cel­e­bradas. A HP dis­tribuía o pequeno-almoço de man­hã, para que os seus engen­heiros se lem­brassem de com­er. O super­me­r­ca­do local, aber­to 24 horas por dia, ven­dia microchips, bem como batatas fritas, para que os “maluquin­hos da tec­nolo­gia” pudessem tra­bal­har nas suas gara­gens e ter algo que petis­car e peças para os seus pro­jec­tos às 2 da man­hã. E depois, no iní­cio dos anos 80, veio Tom Peters, e pro­moveu a éti­ca do tra­bal­ho de Sil­i­con Val­ley em nome da “excelên­cia”. Elo­giou os gigantes da tec­nolo­gia como a HP e a Apple por causa da “paixão” dos seus tra­bal­hadores, e disse aos patrões da indús­tria tradi­cional que pode­ri­am entrar na nova era procu­ran­do e rec­om­pen­san­do a mes­ma paixão nos seus tra­bal­hadores, tam­bém. Emb­o­ra Peters não advo­gasse isto explici­ta­mente, era com­preen­di­do implici­ta­mente pelas pes­soas “apaixon­adas” que as sem­anas de 40 horas de tra­bal­ho eram anti­quadas e abor­reci­das. No novo local de tra­bal­ho, as pes­soas con­seguiam o der­radeiro sig­nifi­ca­do e feli­ci­dade na pura ale­gria incom­paráv­el do tra­bal­ho. Não que­ri­am estar em mais lado nen­hum. Havia dois prob­le­mas com isto. O primeiro é que este ide­al de “paixão” não recon­hecia que a maio­r­ia das pes­soas têm neces­si­dades físi­cas, emo­cionais e psi­cológ­i­cas legí­ti­mas — coisas como sono, exer­cí­cio físi­co, relax­am­en­to e a manutenção de laços soci­ais e famil­iares fortes — que estes engen­heiros não pos­suíam na mes­ma medi­da. O segun­do era que muitos gestores, na fal­ta de janelas para as almas dos seus tra­bal­hadores, decidi­ram tomar atal­hos e medir a paixão com uma sim­ples var­iáv­el: “a boa von­tade de pas­sar a sua vida inteira no escritório”. (Foi mais ou menos nes­ta altura, com bares goumet e giná­sios e crech­es apare­cen­do em empre­sas tec­nológ­i­cas por toda a cidade, que perce­bi que, se estas se empen­ham tan­to em faz­er o escritório pare­cer os nos­sos lares, é uma forte sug­estão que os seus tra­bal­hadores se arriscam a ser san­ciona­dos se algu­ma vez tentarem vis­i­tar os seus próprios lares.) Estes eram os dias madru­gadores da Améri­ca de Rea­gan. Os sindi­catos — por 150 anos, os guardiões da sem­ana de tra­bal­ho de 40 horas — estavam a fal­har per­ante uma investi­da con­ser­vado­ra; e em seu lugar, o novo cul­to do empreende­dor esta­va em ascen­são. Todos os vel­hos con­tratos pater­nal­is­tas entre patrões e tra­bal­hadores foram ras­ga­dos. Enquan­to que, antiga­mente, as empre­sas esper­avam con­tratar pes­soas novas e ali­men­tar as suas car­reiras através de uma pen­são de refor­ma — uma relação para a vida que obri­ga­va os gestores a terem uma visão de lon­go pra­zo acer­ca de como man­ter a sua força de tra­bal­ho sus­ten­tada­mente saudáv­el e feliz — à nova ger­ação era ofer­e­ci­do um 401k (um tipo de fun­do de pen­são nos Esta­dos Unidos) e era-lhes dito que teri­am de esper­ar mudar de emprego todos os três a cin­co anos. Mes­mo enquan­to os empre­gadores exi­giam novos níveis de “paixão” e com­pro­mis­so, estavam ao mes­mo tem­po abdi­can­do da sua anti­ga obri­gação de zelar pelo bem-estar de lon­go pra­zo dos seus tra­bal­hadores. A nova éti­ca cor­po­ra­ti­va voraz esta­va resum­i­da em duas fras­es: “agitem e queimem-nos” (no tex­to orig­i­nal, “churn ‘em and burn ‘em”) um ter­mo, que descriv­ia o hábito da Microsoft de con­tratar jovens pro­gra­madores acaba­dos de sair da esco­la e fazê-los tra­bal­har 70 horas por sem­ana até que desis­tis­sem, depois des­pedin­do-os e con­tratan­do out­ros, e “tra­bal­han­do 90 horas por sem­ana e ado­ran­do” (escrito numa T‑shirt usa­da com orgul­ho pela equipa orig­i­nal do Mac­in­tosh). Os espe­cial­is­tas em pro­du­tivi­dade esti­mam que provavel­mente teríamos tido o Mac­in­tosh um ano mais cedo se tivessem tra­bal­ha­do metade dis­so. E esta men­tal­i­dade depres­sa se espal­hou do sec­tor da tec­nolo­gia para todos os sec­tores da indús­tria nos qua­tro can­tos do país. O novo ide­al era lib­er­tar os “empreende­dores inter­nos” — pes­soas que dedi­cari­am todas as suas ener­gias para con­seguirem o suces­so da sua empre­sa, esperan­do grandes rec­om­pen­sas — e todos aque­les com von­tade de assumir todos os riscos por eles próprios. Neste novo mun­do, os ver­dadeiros “cavadores” eram aque­les que não se impor­tari­am de tra­bal­har nos fins-de-sem­ana e colo­car as suas famílias em segun­do plano, que comi­am nas suas secretárias e dormi­am nos seus cubícu­los. As sem­anas de 40 horas eram para perde­dores e preguiçosos, que começaram a desa­pare­cer da pais­agem de negó­cios da Améri­ca. E com o seu desa­parec­i­men­to, todos nos esque­ce­mos das boas razões pelas quais exis­ti­am ess­es lim­ites. No pra­zo de 15 anos, tudo o que os gestores amer­i­canos sabi­am sobre pro­du­tivi­dade sus­ten­ta­da foi esque­ci­do. Ago­ra, depois de 30 anos e umas pou­cas crises económi­cas, as cafe­tarias e os cen­tros de dia infan­tis e os giná­sios quase desa­pare­ce­r­am, bem como as stock options e os bónus que con­sti­tuíam as poten­ci­ais rec­om­pen­sas para as horas extra­ordinárias. Tudo o que res­ta dess­es opti­mis­tas e vio­len­tos tem­pos é a sem­ana de 60 horas obri­gatórias. E, a não ser que rece­ba à hora — ain­da pago a 150% por lei — o úni­co incen­ti­vo que os empre­gadores ofer­e­cem hoje em dia em tro­ca da sua sub­mis­são a este abu­so é a pos­si­bil­i­dade man­ter o seu emprego.

Podemos trazê-la de volta?

Traz­er de vol­ta a sem­ana de 40 horas de tra­bal­ho exi­girá uma revi­ra­vol­ta com­ple­ta na ati­tude de ambos os empre­gadores e empre­ga­dos. Para os empre­ga­dos, a real­iza­ção fun­da­men­tal é que um empre­gador que peça mais de 8 horas por dia ou 40 horas por sem­ana está a roubar algo vital e pre­cioso de si. Cada hora extra no tra­bal­ho cus­tar-lhe‑á, bas­tante, out­ra área críti­ca da sua vida. Como recu­per­ará o tem­po per­di­do? Dis­pen­sará o jan­tar e com­erá fast food? Deixar de faz­er exer­cí­cio físi­co? Fal­tar ao jogo dos miú­dos esta sem­ana? Dormir menos? (Sexo? O que é isso?) E durante quan­tos dias con­sec­u­tivos con­seguirá man­ter o rit­mo sem que fique frag­iliza­do de maneira per­ma­nente e sub­stan­cial? (Provavel­mente não tan­to quan­to pen­sa.) Mudar esta situ­ação começa com o con­hec­i­men­to que uma hora extra­ordinária é uma ameaça séria para o nos­so bem estar de lon­go pra­zo — e os tra­bal­hadores assalari­a­dos nem são com­pen­sa­dos por isso. Há ago­ra ramos de negó­cio e ramos da Med­i­c­i­na ded­i­ca­dos ao stress no local de tra­bal­ho, mas o essen­cial a reter é que as pes­soas que dis­põem de tem­po para com­er, dormir, brin­car um pouco, faz­er exer­cí­cio físi­co e man­ter as suas relações não pre­cisam de mui­ta aju­da destes. O movi­men­to do tra­bal­ho cur­to do Reino Unido do sécu­lo XIX exige oito horas de tra­bal­ho, oito horas de sono e oito horas para faz­er­mos o que quis­er­mos. É ain­da uma fór­mu­la de suces­so. Para os empre­gadores, a mudança será ain­da mais difí­cil, pois requer mudanças rad­i­cais ao nív­el das suposições da nos­sa cul­tura de negó­cio. Duas ger­ações de gestores atin­gi­ram a maturi­dade acred­i­tan­do que um “bom gestor” é aque­le que con­segue man­ter aque­les tra­seiros naque­las cadeiras o mais tem­po pos­sív­el. Esta suposição está na importân­cia dada implici­ta­mente à definição de palavras impor­tantes como “pro­du­tivi­dade” e “moti­vação” no local de tra­bal­ho. Um gestor que con­segue pro­duzir mais com as mes­mas pes­soas em menos horas não será rec­om­pen­sa­do pela sua capaci­dade em traz­er ao de cima o mel­hor de cada pes­soa. Ao invés dis­so, dir-se‑á que está a dar pouco tra­bal­ho à sua equipa, que con­seguiria com certeza faz­er ain­da mel­hor, exigin­do mais horas de tra­bal­ho. Se a equipa está a tra­bal­har 40 horas por sem­ana, ser-lhe‑á dito para exi­gir 50. Se já estão nas 50, a admin­is­tração pô-la‑á a tra­bal­har à noite e ao fim-de-sem­ana para con­seguir 60. E se o gestor hes­i­tar — saben­do que a pro­du­tivi­dade vai sofr­er se cumprir — não será pro­movi­do. Claro que novas con­tratações estão fora de questão — out­ra vez, prin­ci­pal­mente se se está a falar de assalari­a­dos. Con­seguin­do mais tem­po de tra­bal­ho quan­do não se tem que pagar mais por isso é muito bem vis­to pelos gestores que se agar­ram à ilusão que 50% mais tem­po de tra­bal­ho orig­i­na 50% mais pro­du­tivi­dade. Esta crença tam­bém leva à falá­cia que se pode des­pedir uma pes­soa e dividir o tra­bal­ho dela por duas out­ras, con­seguin­do assim 20 horas extra de tra­bal­ho por sem­ana de graça — e que não há quais­quer desvan­ta­gens para a empre­sa em faz­er isto. Claro que isto está erra­do. E causa danos ao país, tam­bém. Por cada 4 amer­i­canos que tra­bal­ham 50 horas por sem­ana, todas as sem­anas, há um que perde um emprego a tem­po inteiro. O nos­so prob­le­ma de desem­prego galopante desa­pare­ce­ria da noite para o dia se sim­ples­mente cumprísse­mos a lei. Não con­seguire­mos dar a vol­ta a esta situ­ação se não fiz­er­mos o mes­mo que os nos­sos ante­ces­sores fiz­er­am no sécu­lo XIX: con­frontar os nos­sos patrões, apre­sen­tar-lhes os dados, e fazê-los com­preen­der que o que eles estão a faz­er é abusar dos tra­bal­hadores — e que esse abu­so se baseia em suposições que lhes estão a cus­tar lucros poten­ci­ais escon­di­dos. Podemos ter que apelar aos accionistas, cujos inves­ti­men­tos cor­rem sérios riscos quan­do os tra­bal­hadores são sujeitos a tra­bal­ho a mais. (Pelo menos um proces­so con­tra um accionista já foi apre­sen­ta­do con­tra uma empre­sa de pro­dução de jogos de com­puta­dor que era con­heci­da por obri­gar a sem­anas de 80 horas anos a fio. Chegou-se a um acor­do fora dos tri­bunais, com ter­mos favoráveis aos queixosos.) Podemos ter que ser mais intrasi­gentes nas nego­ci­ações com as nos­sas chefias quan­do aceita­mos o emprego, e obrigá-los a especi­ficar o horário de tra­bal­ho nos con­tratos — e depois exi­gir-lhes que os cumpram. E tam­bém temos que nos apoiar nos nos­sos leg­is­ladores para que façam cumprir as leis de tra­bal­ho. Mas há que reter o seguinte: para bem dos nos­sos cor­pos, das nos­sas famílias, das nos­sas comu­nidades, o lucro das empre­sas e o futuro do país, esta insanidade tem que acabar. Tra­bal­har dias e sem­anas lon­gos foi sem dúvi­da a maior estu­pid­ez, e a maneira mais cara de tra­bal­har. As nos­sas chefias estão a esgo­tar recur­sos do cap­i­tal humano sem os repor. Estão a reti­rar tem­po, ener­gia e recur­sos, que nos per­tencem por dire­ito, e fazem parte da nos­sa riqueza comum. Se vamos falar na cri­ação de um Mun­do mais sus­ten­táv­el, vamos então tam­bém falar de como bal­ancear a nos­sa vida de tra­bal­hadores, de for­ma que nos deixe refres­ca­dos, fortes e capazes de con­tin­uar a con­tribuir para a econo­mia nacional por qua­tro ou cin­co décadas, em vez de ficar­mos estafa­dos e gas­tos numa meia idade pre­coce. Uma car­reira preenchi­da de quarenta anos começa com uma sem­ana pro­du­ti­va de 40 horas. E ninguém deve poder tirar-nos isso, nem mes­mo por um salário.

Sara Robin­son é uma futur­ista social treina­da e a edi­to­ra da pági­na Alter­Net’s Vision.

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