[S]e tem a sorte de ter um emprego agora, provavelmente estará a fazer tudo para o manter. Se o patrão lhe pede para trabalhar 50 horas, trabalhará 55. Se ele pede 60, perderá noites durante a semana e Sábados, e trabalhará 65. Muito provavelmente estará a fazer isto há meses, senão mesmo anos, às custas da sua vida familiar, a sua rotina de exercícios físicos, a sua dieta, o seu nível de stress e a sua sanidade. Estará esgotado, cansado, dorido e esquecido pela sua esposa, filhos e cão. Mas continua a esforçar-se, pois toda a gente sabe que é trabalhando horas a fio que se conseue provar que é “apaixonado”, “produtivo” e um “jogador de equipa” — o tipo de pessoa que terá melhores hipóteses de sobreviver à próxima ronda de despedimentos. Isto é o que o trabalho parece agora. Tem sido assim por tanto tempo que muitos trabalhadores americanos não se apercebem que, na maior parte do século XX, tem sido mais ou menos consensual entre os patrões norte-americanos que trabalhar mais de 40 horas por semana é estúpido, um desperdício, perigoso e caro — o mais óbvio sinal de uma gestão perigosamente incompetente para dispensar. É uma heresia agora (boa sorte para convencer o seu patrão do que vou agora dizer), mas cada hora que trabalha a mais além das 40 horas por semana fá-lo‑á menos eficiente e produtivo no curto e longo prazo. Pode parecer estranho, mas é verdade: a coisa mais simples e rápida de aumentar a produtividade e os lucros da sua empresa — começando agora mesmo, hoje — é tirar toda a gente da maratona das 55 horas por semana e voltar às 40. Sim, vai contra tudo o que os gestores modernos julgam que pensam sobre o trabalho. Por isso, precisamos de perceber melhor. Como se chegou à semana de 40 horas de trabalho em primeiro lugar? Como a perdemos? E quais são as razões principais para que seja retomada?
A origem da semana de trabalho de 40 horas
O essencial a saber sobre a semana de trabalho de 40 horas, enquanto que foi por pressão dos sindicatos, os líderes de empresas aceitaram porque os seus próprios dados mostravam que esta forma era uma medida boa para o negócio. Os sindicatos começaram a lutar pela semana de 40 horas, tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos da América no início do século XIX. No fim do século, era a norma num número crescente de indústrias. E uma coisa estranha aconteceu: vezes sem conta — em muitos sectores e em muitos países — os donos das empresas descobriram que quando cederam às exigências dos sindicatos e cortaram nas horas de trabalho, os seus negócios tornaram-se significativamente mais produtivos e lucrativos. Tom Walker do Work Less Institute escreveu no seu artigo Pacto para a prosperidade (Prosperity Covenant):
Que a produtividade não sobe ou desce na proporcionalidade directa do número de horas de trabalho é uma lição que aparentemente tem que se aprendida em cada geração. Em 1848, o parlamento Inglês aprovou a lei das 10 horas e a produtividade por trabalhador por dia aumentou. Na década de 1890 os patrões fizeram experiências com dias de 8 horas e descobriram que a produtividade aumentou novamente. Nas primeiras décadas do século XX, Frederick W. Taylor, o pai da “gestão científica” receitou tempos de trabalho reduzidos e conseguiu grandes aumentos de produtividade por trabalhador.
Em 1914, encorajado por dúzias de anos de pesquisas internas, Henry Ford tomou a medida famosa de aumentar para o dobro o salário dos seus trabalhadores, e diminuir a duração dos turnos de 9 para 8 horas. A Associação Nacional de Industriais da Manufactura (National Association of Manufacturers) criticaram-no amargamente por isto — embora muitos dos seus competidores tomaram a mesma medida nos anos seguintes depois se se aperceberem do aumento do volume de negócios de Ford após esta alteração. Em 1937, a semana de 40 horas ficou consagrada no New Deal, a resposta de Franklin Roosevelt à crise de 1929. Nesta altura, havia cinco décadas de investigação industrial que provava, sem sombra de dúvida, que se quisesse manter os seus trabalhadores espertos, saudáveis, produtivos, seguros e eficientes por um período longo de tempo, deveria mantê-los em semanas de, no máximo, 40 horas e dias de 8 horas de trabalho. Evan Robinson, um engenheiro de software engineer com um grande interesse na produtividade dos programadores, resumiu esta história num artigo que escreveu para a International Game Developers’ Association em 2005. O artigo original contém uma série de ligações para estudos conduzido por empresas, universidades, associações da indústria e forças armadas que apoiam os líderes do início do século XX no que respeita à semana curta. “Ao longo dos anos 30, 40 e 50, estes estudos foram aparentemente conduzidos às centenas” (“Throughout the ’30s, ’40s and ’50s, these studies were apparently conducted by the hundreds”), escreve Robinson; “e na década de 1960, os benefícios da semana de 40 horas foram aceites quase sem reservas na América corporativa. Em 1962, a Câmara do Comércio chegou mesmo a publicar um panfleto exaltando os ganhos de produtividade resultantes da redução horária” (“and by the 1960s, the benefits of the 40-hour week were accepted almost beyond question in corporate America. In 1962, the Chamber of Commerce even published a pamphlet extolling the productivity gains of reduced hours”). O que estes estudos mostraram, vezes sem conta, era que os trabalhadores fabris dispõem de 8 horas na quais são mais fiáveis. Em média, não consegue produzir mais em 10 horas que em 8 horas. Igualmente, a produção total de uma semana de trabalho será exactamente a mesma ao fim de 6 dias de trabalho que após apenas 5 dias. Por isso, o pagamento de horas extraordinárias (além das 40 horas semanais) não é basicamente mais que queimar lucros. Deixem-nos ir para casa, descansar e voltar na Segunda-feira. É melhor para toda a gente. À medida que o tempo passava e os sindicatos enfatizavam os subsídios por deficiência e segurança no trabalho, outro conjunto de preocupações reforçavam a ideia da semana curta. Uma montanha crescente de dados vinha mostrando que acidentes catastróficos — os que causam deficiência nos trabalhadores, danificam equipamentos essenciais, param as linhas de montagem, provocam processos judiciais às empresas e preocupam os accionistas — aconteceriam mais provavelmente quando os trabalhadores trabalhavam demais e estavam cansados. Isto selou o acordo: para muitas empresas, os riscos humano, de capital, legal e financeiro por exceder as 40 horas por semana não valiam simplesmente a pena serem tomados. Por alturas da Segunda Guerra Mundial, o consenso era claro e generalizado: mesmo que (e especialmente!) o tempo de guerra o exigisse, trabalhar demais era contraproducente e perigoso, o nenhum local de trabalho competente deveria sequer tentar obrigar as pessoas a trabalhar mais que esse limite.
A excepção das horas extraordinárias
Havia uma excepção a esta regra. Pesquisas conduzidas pelo Business Roundtable nos anos 1980 demonstraram que se consegue ganhos no curto prazo, trabalhando 60 ou 70 horas por semana, por períodos muito curtos — por exemplo, fazendo um esforço adicional por umas semanas para conseguir cumprir prazos de produção críticos. Contudo, há um conjunto de ressalvas bastante sérias ligadas a isto que costumavam ser bem conhecidas, mas muitas foram esquecidas. Uma delas é que, aumentando o horário de uma equipa no escritório em 50% (de 40 para 60 horas) não resulta em 50% mais produtividade (como Henry Ford deveria ter dito). Muitos gestores actuais assumem que deve haver uma relação de um para um entre horas extraordinárias e produção, mas estão quase sempre errados acerca disto. De facto, o aumento de produtividade está mais perto de 20–30% no mesmo 50% de aumento do tempo de trabalho. Eis por quê: quando chega a oitava hora diária, o período de maior produtividade de uma pessoa já passou (tipicamente entre a 2.ª e a 6.ª hora). À 9.ª hora, enquanto a fadiga se instala, apenas conseguirão trabalhar numa fracção da sua capacidade usual. E a cada hora extra além disso, a produtividade continuará a diminuir, até às 10–12 horas, quando se atinge uma completa exaustão. Outra ressalva é que as horas extraordinárias são apenas eficazes por períodos muito curtos. Isto deve-se ao facto (como mostrou em 1909 Sidney Chapman) a produtividade diária começa a cair na segunda semana, e cai mais pronunciadamente a cada semana consecutiva, à medida que o cansaço aumenta. Se descanso adequado, recriação, nutrição e tempos livres só porque sim, as pessoas aborrecem-se e ficam estúpidas. Não se conseguem concentrar. Passam mais tempo a responder a mensagens de correio electrónico e em conversas sem interesse que a trabalhar. Cometem error que nunca cometeriam se tivessem descansado; e corrigir esses erros demora mais tempo porque estão exaustos. Robinson escreve que ele tem visto equipas de programadores sobrecarregadas descer a um nível de progresso negativo, onde perdem terreno semana após semana pois passam a cometer mais erros que aqueles que corrigem. O estudo da Business Roundtable descobriu que, logo após oito semanas de 60 horas, a quebra de produtividade é tão marcada que a equipa típica conseguiria fazer o mesmo e melhor se se mantivessem com semanas de 40 horas. E em semanas de 70 ou 80 horas a quebra ocorre ainda mais depressa, em apenas três semanas. E finalmente: estas marchas fúnebres têm um impacto de longo termo na produtividade. Assim que a crise passa e uma equipa passa de uma semana de 60 horas para 40, pode demorar várias semanas até que a exaustão desaparece o suficiente para que se volte à produtividade normal. Assim, por algum tempo, conseguir-se‑á menos de 40 horas dos trabalhadores. Gestores sábios compreenderão que: a) evitam períodos de horas extraordinárias, pois estão bem avisados dos sérios efeitos na produtividade de longo prazo; b) mantêm esses períodos tão curtos quanto possível quando eles são necessários; e c) dão alguns dias de descanso às equipas — um a dois dias de folga por cada semana de trabalho extraordinário é a medida certa — no fim de uma “corrida” difícil. Este tempo de folga permite recuperar mais rápida e completamente. É muito mais produtivo tê-los a folgar na semana seguinte — e depois de volta ao trabalho, descansados e prontos a trabalhar — do que mantê-los nos seus postos de trabalho, mas estoirados demais para fazer algo útil no mês seguinte. Assim, para resumir: acrescentando mais horas ao dia de trabalho não tem uma correlação um para um com a produtividade. O trabalho extraordinário não é sustentável, senão no curto espaço de tempo. E muito trabalho extraordinário cria um nível de exaustão que se instala mais cedo, é bastante mais acentuado, e requer muito mais para se corrigir, que muitas chefias pensam. As pesquisas provam que algo mais que umas semanas fazem mais mal que bem.
Entra o Trabalhador Qualificado
Depois da Segunda Guerra Mundial, depois do Servicemen’s Readjustment Act (uma lei que concedeu benefícios varios, como empréstimos para compra de casa mais baratos, incentivos à qualificação, etc. a ex-militares) ter permitido a muitos trabalhadores ingressar em empregos de “colarinho branco”, os empregadores assumiram que os limites horários aplicados aos outros trabalhadores não se aplicavam aos primeiros. Toda a gente pensava que oito horas era o limite para alguém que passasse o dia a manusear um martelo ou uma pá; mas estes trabalhadores de “colarinho branco” passavam o dia sentados a uma secretária. Estamos-lhes a pagar mais, por isso, não deveríamos esperar mais deles? A resposta curta é: não. De facto, pesquisas mostram que os trabalhadores de “colarinho branco” têm menos horas realmente produtivas que os outros — em média, cerca de seis horas, em oposição às oito. Parece estranho, mas se é um trabalhador qualificado, a verdade disto poderá parecer claro se pensar no seu dia típico de trabalho. Provavelmente, o dia de trabalho terá cinco ou seis horas de trabalho mental realmente produtivo; e as outras três horas serão gastas em reuniões, respondendo a e‑mails, ou atendendo chamadas telefónicas. Poderá trabalhar mais horas, se o seu chefe pedir, mas após seis horas, tudo o que ele terá será uma pessoa sentada numa cadeira. O seu cérebro já saiu e foi para casa. A outra coisa a reter sobre trabalhadores qualificados é que eles são particularmente sensíveis à mais pequena perda de sono. Estudos realizados por militares Norte-americanos mostraram que perder apenas uma hora de sono por noite causa um nível de degradação cognitiva equivalente a um nível de alcoolemia de 0,1g/l. Pior: a maioria das pessoas neste estado, tipicamente, nem se apercebem quão debilitados se encontram. Apenas quando se olha para o nível dramaticamente mais baixo do seu trabalho é que esta situação se mostra. Robinson escreve: “Se viessem trabalhar assim bêbedos, provavelmente despedi-los-íamos — seriam considerados um manifesto risco para a nossa empresa, os nossos dados, o nosso equipamento, nós e eles próprios. Mas não pensamos duas vezes acerca de manter a privação do sono como condição para continuar empregado.” E o potencial para falhas catastróficas pode ser tão alto para tanto os trabalhadores qualificados como não qualificados. Robinson cita investigações pós-incidente do derrame do Exxon Valdez ou da explosão do Challenger. Ambas as equipas de investigadores descobriram que os decisores, cansados e trabalhando demais, tiveram um papel significativo para as causas destes desastres. Existem também bastantes estudos sobre erros fatais feitos por pessoal médico exausto, bem como pesquisas das forças armadas norte-americanas sobre os efeitos catastróficos da fadiga na escolha de alvos pelos artilheiros. (Robinson acrescenta: “Ainda bem que os trabalhadores qualificados raramente se têm que preocupar com fogo amigo.”)
“Paixão”, Des-sincalização, e o Fim da semana de 40 horas
Como é que este conhecimento, que estava tão entranhado em três gerações de gestores americanos que foi tido como certo, se perdeu nos tempos que correm? Há provavelmente várias respostas a esta pergunta, mas existem três factores em particular que sobressaem. O primeiro é o aparecimento de Silicon Valley como potência económica em fins dos anos de 1970. Desde a Segunda Guerra Mundial, esta região tem atraído um género único de trabalhador — cientistas e trabalhadores tecnológicos que trazem com eles uma paixão singular por investigação e inovação. A Síndrome de Asperger não foi identificada senão em 1994, mas nos anos de 1950, as indústrias de defesa no vale californiano de Santa Clara atraíam já jovens brilhantes que correspondiam ao perfil: pessoas de um só objectivo, socialmente deslocados, emocionalmente desligados e abençoados (ou amaldiçoados) com um interesse único e obsessivo numa área muito particular. Para estas pessoas, o trabalho não era apenas trabalho; era a sua paixão, e eles dedicavam cada hora a ela, muitas vezes excluindo interacção social, exercício, sono, refeições e, por vezes, cuidado pessoal. O estereótipo popular do geek nasceu de algumas verdades sobre o tipo específico de pessoas que eram atraídas por tecnologias nesses anos iniciais. A cultura que cresceu em Silicon Valley nas décadas seguintes reflectiu e valorizou as particularidades do que os psicólogos da Lockheed intitulavam nos anos 50 de “a personalidade da ciência e tecnologia”. As empresas alargaram os seus horários de trabalho, para que os programadores que entravam ao meio dia e saíssem à meia noite pudessem ter o seu próprio horário. Os códigos de vestuário foram relaxados; as excentricidades pessoais foram celebradas. A HP distribuía o pequeno-almoço de manhã, para que os seus engenheiros se lembrassem de comer. O supermercado local, aberto 24 horas por dia, vendia microchips, bem como batatas fritas, para que os “maluquinhos da tecnologia” pudessem trabalhar nas suas garagens e ter algo que petiscar e peças para os seus projectos às 2 da manhã. E depois, no início dos anos 80, veio Tom Peters, e promoveu a ética do trabalho de Silicon Valley em nome da “excelência”. Elogiou os gigantes da tecnologia como a HP e a Apple por causa da “paixão” dos seus trabalhadores, e disse aos patrões da indústria tradicional que poderiam entrar na nova era procurando e recompensando a mesma paixão nos seus trabalhadores, também. Embora Peters não advogasse isto explicitamente, era compreendido implicitamente pelas pessoas “apaixonadas” que as semanas de 40 horas de trabalho eram antiquadas e aborrecidas. No novo local de trabalho, as pessoas conseguiam o derradeiro significado e felicidade na pura alegria incomparável do trabalho. Não queriam estar em mais lado nenhum. Havia dois problemas com isto. O primeiro é que este ideal de “paixão” não reconhecia que a maioria das pessoas têm necessidades físicas, emocionais e psicológicas legítimas — coisas como sono, exercício físico, relaxamento e a manutenção de laços sociais e familiares fortes — que estes engenheiros não possuíam na mesma medida. O segundo era que muitos gestores, na falta de janelas para as almas dos seus trabalhadores, decidiram tomar atalhos e medir a paixão com uma simples variável: “a boa vontade de passar a sua vida inteira no escritório”. (Foi mais ou menos nesta altura, com bares goumet e ginásios e creches aparecendo em empresas tecnológicas por toda a cidade, que percebi que, se estas se empenham tanto em fazer o escritório parecer os nossos lares, é uma forte sugestão que os seus trabalhadores se arriscam a ser sancionados se alguma vez tentarem visitar os seus próprios lares.) Estes eram os dias madrugadores da América de Reagan. Os sindicatos — por 150 anos, os guardiões da semana de trabalho de 40 horas — estavam a falhar perante uma investida conservadora; e em seu lugar, o novo culto do empreendedor estava em ascensão. Todos os velhos contratos paternalistas entre patrões e trabalhadores foram rasgados. Enquanto que, antigamente, as empresas esperavam contratar pessoas novas e alimentar as suas carreiras através de uma pensão de reforma — uma relação para a vida que obrigava os gestores a terem uma visão de longo prazo acerca de como manter a sua força de trabalho sustentadamente saudável e feliz — à nova geração era oferecido um 401k (um tipo de fundo de pensão nos Estados Unidos) e era-lhes dito que teriam de esperar mudar de emprego todos os três a cinco anos. Mesmo enquanto os empregadores exigiam novos níveis de “paixão” e compromisso, estavam ao mesmo tempo abdicando da sua antiga obrigação de zelar pelo bem-estar de longo prazo dos seus trabalhadores. A nova ética corporativa voraz estava resumida em duas frases: “agitem e queimem-nos” (no texto original, “churn ‘em and burn ‘em”) um termo, que descrivia o hábito da Microsoft de contratar jovens programadores acabados de sair da escola e fazê-los trabalhar 70 horas por semana até que desistissem, depois despedindo-os e contratando outros, e “trabalhando 90 horas por semana e adorando” (escrito numa T‑shirt usada com orgulho pela equipa original do Macintosh). Os especialistas em produtividade estimam que provavelmente teríamos tido o Macintosh um ano mais cedo se tivessem trabalhado metade disso. E esta mentalidade depressa se espalhou do sector da tecnologia para todos os sectores da indústria nos quatro cantos do país. O novo ideal era libertar os “empreendedores internos” — pessoas que dedicariam todas as suas energias para conseguirem o sucesso da sua empresa, esperando grandes recompensas — e todos aqueles com vontade de assumir todos os riscos por eles próprios. Neste novo mundo, os verdadeiros “cavadores” eram aqueles que não se importariam de trabalhar nos fins-de-semana e colocar as suas famílias em segundo plano, que comiam nas suas secretárias e dormiam nos seus cubículos. As semanas de 40 horas eram para perdedores e preguiçosos, que começaram a desaparecer da paisagem de negócios da América. E com o seu desaparecimento, todos nos esquecemos das boas razões pelas quais existiam esses limites. No prazo de 15 anos, tudo o que os gestores americanos sabiam sobre produtividade sustentada foi esquecido. Agora, depois de 30 anos e umas poucas crises económicas, as cafetarias e os centros de dia infantis e os ginásios quase desapareceram, bem como as stock options e os bónus que constituíam as potenciais recompensas para as horas extraordinárias. Tudo o que resta desses optimistas e violentos tempos é a semana de 60 horas obrigatórias. E, a não ser que receba à hora — ainda pago a 150% por lei — o único incentivo que os empregadores oferecem hoje em dia em troca da sua submissão a este abuso é a possibilidade manter o seu emprego.
Podemos trazê-la de volta?
Trazer de volta a semana de 40 horas de trabalho exigirá uma reviravolta completa na atitude de ambos os empregadores e empregados. Para os empregados, a realização fundamental é que um empregador que peça mais de 8 horas por dia ou 40 horas por semana está a roubar algo vital e precioso de si. Cada hora extra no trabalho custar-lhe‑á, bastante, outra área crítica da sua vida. Como recuperará o tempo perdido? Dispensará o jantar e comerá fast food? Deixar de fazer exercício físico? Faltar ao jogo dos miúdos esta semana? Dormir menos? (Sexo? O que é isso?) E durante quantos dias consecutivos conseguirá manter o ritmo sem que fique fragilizado de maneira permanente e substancial? (Provavelmente não tanto quanto pensa.) Mudar esta situação começa com o conhecimento que uma hora extraordinária é uma ameaça séria para o nosso bem estar de longo prazo — e os trabalhadores assalariados nem são compensados por isso. Há agora ramos de negócio e ramos da Medicina dedicados ao stress no local de trabalho, mas o essencial a reter é que as pessoas que dispõem de tempo para comer, dormir, brincar um pouco, fazer exercício físico e manter as suas relações não precisam de muita ajuda destes. O movimento do trabalho curto do Reino Unido do século XIX exige oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas para fazermos o que quisermos. É ainda uma fórmula de sucesso. Para os empregadores, a mudança será ainda mais difícil, pois requer mudanças radicais ao nível das suposições da nossa cultura de negócio. Duas gerações de gestores atingiram a maturidade acreditando que um “bom gestor” é aquele que consegue manter aqueles traseiros naquelas cadeiras o mais tempo possível. Esta suposição está na importância dada implicitamente à definição de palavras importantes como “produtividade” e “motivação” no local de trabalho. Um gestor que consegue produzir mais com as mesmas pessoas em menos horas não será recompensado pela sua capacidade em trazer ao de cima o melhor de cada pessoa. Ao invés disso, dir-se‑á que está a dar pouco trabalho à sua equipa, que conseguiria com certeza fazer ainda melhor, exigindo mais horas de trabalho. Se a equipa está a trabalhar 40 horas por semana, ser-lhe‑á dito para exigir 50. Se já estão nas 50, a administração pô-la‑á a trabalhar à noite e ao fim-de-semana para conseguir 60. E se o gestor hesitar — sabendo que a produtividade vai sofrer se cumprir — não será promovido. Claro que novas contratações estão fora de questão — outra vez, principalmente se se está a falar de assalariados. Conseguindo mais tempo de trabalho quando não se tem que pagar mais por isso é muito bem visto pelos gestores que se agarram à ilusão que 50% mais tempo de trabalho origina 50% mais produtividade. Esta crença também leva à falácia que se pode despedir uma pessoa e dividir o trabalho dela por duas outras, conseguindo assim 20 horas extra de trabalho por semana de graça — e que não há quaisquer desvantagens para a empresa em fazer isto. Claro que isto está errado. E causa danos ao país, também. Por cada 4 americanos que trabalham 50 horas por semana, todas as semanas, há um que perde um emprego a tempo inteiro. O nosso problema de desemprego galopante desapareceria da noite para o dia se simplesmente cumpríssemos a lei. Não conseguiremos dar a volta a esta situação se não fizermos o mesmo que os nossos antecessores fizeram no século XIX: confrontar os nossos patrões, apresentar-lhes os dados, e fazê-los compreender que o que eles estão a fazer é abusar dos trabalhadores — e que esse abuso se baseia em suposições que lhes estão a custar lucros potenciais escondidos. Podemos ter que apelar aos accionistas, cujos investimentos correm sérios riscos quando os trabalhadores são sujeitos a trabalho a mais. (Pelo menos um processo contra um accionista já foi apresentado contra uma empresa de produção de jogos de computador que era conhecida por obrigar a semanas de 80 horas anos a fio. Chegou-se a um acordo fora dos tribunais, com termos favoráveis aos queixosos.) Podemos ter que ser mais intrasigentes nas negociações com as nossas chefias quando aceitamos o emprego, e obrigá-los a especificar o horário de trabalho nos contratos — e depois exigir-lhes que os cumpram. E também temos que nos apoiar nos nossos legisladores para que façam cumprir as leis de trabalho. Mas há que reter o seguinte: para bem dos nossos corpos, das nossas famílias, das nossas comunidades, o lucro das empresas e o futuro do país, esta insanidade tem que acabar. Trabalhar dias e semanas longos foi sem dúvida a maior estupidez, e a maneira mais cara de trabalhar. As nossas chefias estão a esgotar recursos do capital humano sem os repor. Estão a retirar tempo, energia e recursos, que nos pertencem por direito, e fazem parte da nossa riqueza comum. Se vamos falar na criação de um Mundo mais sustentável, vamos então também falar de como balancear a nossa vida de trabalhadores, de forma que nos deixe refrescados, fortes e capazes de continuar a contribuir para a economia nacional por quatro ou cinco décadas, em vez de ficarmos estafados e gastos numa meia idade precoce. Uma carreira preenchida de quarenta anos começa com uma semana produtiva de 40 horas. E ninguém deve poder tirar-nos isso, nem mesmo por um salário.
Sara Robinson é uma futurista social treinada e a editora da página AlterNet’s Vision.